terça-feira, 23 de agosto de 2011

We are the world


Ainda no clima das crônicas, uma deliciosamente irônica que li nos idos de mil novecentos e noventa e poucos.


O Povo


Não posso deixar de concordar com tudo o que dizem do povo. É uma posição impopular, eu sei, mas o que fazer? É a hora da verdade. O povo que me perdoe, mas ele merece tudo que se tem dito dele. E muito mais.


As opiniões recentemente emitidas sobre o povo até foram tolerantes. Disseram, por exemplo, que o povo se comporta mal em grenais. Disseram que o povo é corrupto. Por um natural escrúpulo, não quiseram ir mais longe. Pois eu não tenho escrúpulo.


O povo se comporta mal em toda a parte, não apenas no futebol. O povo tem péssimas maneiras. O povo se veste mal. Não raro, cheira mal também. O povo faz xixi e cocô em escala industrial. Se não houvesse povo, não teríamos o problema ecológico. O povo não sabe comer. O povo tem um gosto deplorável. O povo é insensível. O povo é vulgar.


A chamada explosão demográfica é culpa exclusivamente do povo. O povo se reproduz numa proporção verdadeiramente suicida. O povo é promíscuo e sem-vergonha. A superpopulação nos grandes centros se deve ao povo. As lamentáveis favelas que tanto prejudicam nossa paisagem urbana foram inventadas pelo povo, que as mantém contra os preceitos da higiene e da estética.


Responda, sem meias palavras: haveria os problemas de trânsito se não fosse pelo povo? O povo é um estorvo.


É notória a incapacidade política do povo. O povo não sabe votar. Quando vota, invariavelmente vota em candidatos populares que, justamente por agradarem ao povo, não podem ser boa coisa.


O povo é pouco saudável. Há, sabidamente, 95 por cento mais cáries dentárias entre o povo. O índice de morte por má nutrição entre o povo é assustador. O povo não se cuida. Estão sempre sendo atropelados. Isto quando não se matam entre si. O banditismo campeia entre o povo. O povo é ladrão. O povo é viciado. O povo é doido. O povo é imprevisível. O povo é um perigo.


O povo não tem a mínima cultura. Muitos nem sabem ler ou escrever. O povo não viaja, não se interessa por boa música ou literatura, não vai a museus. O povo não gosta de trabalho criativo, prefere empregos ignóbeis e aviltantes. Isto quando trabalha, pois há os que preferem o ócio contemplativo, embaixo de pontes. Se não fosse o povo nossa economia funcionaria como uma máquina. Todo mundo seria mais feliz sem o povo. O povo é deprimente. O povo deveria ser eliminado.


Luís Fernando Veríssimo

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O primeiro post a gente nunca escreve



Para quem já tinha perdido a esperança: desculpas. Para os que não se lembravam de que faríamos um blog: mais atenção da próxima vez.

Brincadeiras a parte, demorou, mas nosso estimado blog está pronto. E eu com a difícil tarefa de fazer um post inaugural, obviamente sem pretensões literárias, mas sempre preocupado com o que vão achar de mim. Pensamos que escrever expõe nossos pensamentos de forma controlada, metrificada pelo escreve-apaga. Engano nosso. Depois de publicado, qualquer texto pode e vai ser usado contra nós. É a vingança das idéias. O que consola é lembrar que todos os autores que escolhemos para esse clube de leitura se abriu inteiro pra gente. Em cada linha deixaram um pouco da alma, de prazer, de criatividade e doação. Espero que cada livro escolhido seja um sopro de ar fresco nos pensamentos de cada um de nós e que este blog seja alimentado pela generosidade e desapego de doarmos nossas palavras.

Sejam bem vindos!

Daniel de Pinho